domingo, 15 de agosto de 2010

Vida fácil




"Vida de médico que é fácil", "olha só marca às 8:00 hrs e chega às 10:00 hrs, faz todo mundo acordar cedo e fica enrolando.". "Filho estuda, porque quando você crescer pode ser doutor, e não ter que trabalhar tanto quanto seus pais."

A Medicina guarda com a Prostituição muitas semelhanças. Diz-se que as duas foram as primeiras profissões, sabe-se que envolvem técnica e arte através de certa teatralidade, em que muitas vezes o cliente gostaria muito de ter uma certa respota do profissional e fica muito irritado se não tem a resposta que imagina seria a adequada (também gere irritação descobrir verbalmente que a resposta obtida, embora fosse a esperada, envolve falsidade).
Ambas tem sido vistas com preconceito por grande parcela da opinião pública, pois tem-se a ideia de "vida fácil", que ganha-se dinheiro sem esforço, e quem olhar de perto ainda pode notar certa inveja.
Porém, existe uma diferença fundamental, que existe na concepção destas duas ocupações, o respeito pela vida, pelo ser humano. Não posso, contudo, generalizar, pois existem protitutas com limites morais, como existem médicos sem. Mas na faculdade, se buscarmos entender os graduandos de medicina veremos que eles buscam acima de tudo o respeito e a valorização da vida.
O que acontece após esta fase de formação é que o interno é soterrado de trabalho. Um rapaz terminando a adolescencia, que geralmente nunca trabalhou é levado a cumprir um esquema de trabalho que chega a 48 hrs continuas (com pausinhas pra soneca, banheiro e bandeijão, claro), com carga horaria ultrapassando 90 horas semanais. É ensinado ao pupilo que ser médico é assim: não tem hora, não tem descanso. Inicialmente tem-se este compromisso atrelado a ideologia o que levou à faculdade, trabalha-se muito porque o trablaho é importante, estamos salvando vidas. Depois passasse a usar o conhecimento acadêmico como justificativa, maior vivência, mais experiência.
Por fim na residência, quando pensa-se que logo virá a folga, inicia-se a fase em que recebe-se pelo trabalho. De repente, aquele plantão que já se fazia sem remuneração passa a ser pago e em um ou dois dias de trabalho fora da faculdade o residente recebe o equivalente à sua bolsa mensal. Como não resistir: "a medicina é assim mesmo; já que trabalho de graça por que não receber".
Quando a residência termina, quem vai seguir o trabalho no consultório logo é cercado por "oportunidades" oferecidas por empresas loucas de vontade de sugar o sangue novo. Nesta altura, acostumado ao trabalho extenuante, perde-se a noção do valor do dinheiro e muitas vezes assumi-se dividas que podem ser pagas por "mais um plantãozinho".
Finalmente, adentrando ao mercado de trabalho, busca-se preencher as 168 horas da semana com umas 200 horas de trabalho: plantões à distancia, em pronto socorro, internações, agendas de cirurgias e consultas lotadas.
É esse profissional que ao chegar ao consultório escuta : "Vida boa, hein. Deixa a gente aqui esperando e fica enrolando para antender, nem precisa do dinheiro".
Gostaria muito que nessa hora, o médico pensasse em quanto esta se aproximando da prostituição (e entendo que as prostitutas não levam a vida nada fácil, na verdade muito difícil e sofrida e que, trabalhando assim por opção ou não, merecem respeito e cuidado de toda sociedade). Refiro à aproximação da forma de ver o ser humano, de entendê-lo, não como um número, mas como pessoa.
Mas, gostaria ainda mais que o paciente ali sentado refletisse em todo o caminho em que são colocados os jovens calouros ao entrar na faculdade e procure entender que se um comportamento tem sido repetido por uma classe profissional, o problema não esta em uma ou outra pessoa, mas na formação generalizada desta ocupação. E por fim, possa concluir que a vida não é fácil para quase ninguém, muito menos para quem se submete a rotina de trabalho mais prolongada que quase todos os profissionais.

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