sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Compendio de medicina Guaçuína

Cada lugar tem suas características na forma em que resolve suas ansiedades, isso é cultural, e acredito que tenha muita relação com a forma em que as crianças são criadas em com os recursos que se tem. Em Mogi Guaçu, ´comum que pessoas de 25, 30, 35 anos venham ao Pronoto Socorro acompanhadas pela mamãe e pelo papai. Interessante notar que em outras cidades próximas isso não me pareceu comum.
Cada local tem tammbém a forma de encarar os problemas emocionais e físicos, e isso também tem relação com o grau de indenpendencia que atribuimos à nós mesmos.
Muito comum, mamãe trazer o "filhinho" de 35 anos que esta a 2 dias com "virose".
"Virose"? Quando cheguei aqui, para mim e para os pacientes que já havia atendido, virose era infecção causada por vírus. Em Mogi Guaçu é diarréia (caganeira, desintiria, diriam outros). É que o filhinho da mamãe não pode ter diarréia, nem mesmo falar o nome. Voltam 3, 4, 10 vezes ao pronto socorro porque o filhinho ta com "virose" há 2 dias, já tomou soro na veia 3 vezes e nada "corta". Embora não tenha febre, dor, vomito e continue hidratado, o "cocozinho" ainda ta molinho e agora ? Só internando. Falta, Falta, FALTA muito bom senso. Dos médicos em orientar e da familia em aceitar. Digo a familia porque o próprio paciente nem ta muito incomodado, mas como mora com a mamãe, ela muito cuidadosamente reparou que o cesto do banheiro ando muito cheio.
Então vamos lá: Diarréia é um termo médico e sai das bocas mais limpas (digo a palavra diarréia, claro). Juiz, padre, pastor todos por mais increvel que possa parecer defecam e são passiveis de ter diarréia. Virose é infecção por vírus : hepatite, miocardite, dengue, AIDS, gripe e gastroenterite (que cursa com diarréia).
Por mais que pareça estranho aos guaçuinos os médicos estudaram sobre diarréia aguda, e, pasmem, analisando as fezes diarreicas.. desculpe o "cocô mole". E descobriram que na grande maioria das vezes ela é causada por infecção viral, mas pode ser uma intoxicação (comida estragada) ou infecção pelos mais diversos agentes. Porém, os valentes pesquisadores concluiram após exaustiva analise de "cocô mole" do mundo todo (e é cocô por bosta) que quando não é causada por vírus a diarréia causa outros sintomas como febre, dores abdominais, sangue ou pus nas fezes. E que a diarréia aguda, essa que aparece no pronto socorro, dura em média 10 a 15 dias.
Para o espanto dos guaçuinos que pagaram o convenio: NÃO HÁ ANTIBIÓTICO PARA VÍRUS QUE CAUSA DIARRÉIA...
Sinto muitissimo informar, que apesar de ter pago um absurdo de 100 (cem) reais para ter convenio para toda sua familia, o cliente vai ter que tomar água para curar sua desidratação. Mas para que não fique de todo triste, em respeito ao fato de não ter sido mensionada a palavra diarréia na consulta, prescreveremos água com sal e açucar com o pomposo nome de Soro de Reidratação, ou melhor Pedialyte, mas se não ficar contente ainda, poderemos usar o soro na veia, pois o que dói cura já dizia a bisavó. Não resolvendo, antes de se esculachado pelo gastro ao não resistir ao stress e internar um paciente com diarréia hidratado, ainda há o recurso de pintar o soro com complexo B, pois o filhinho ta fraquinho e precisa de vitamina.
Isso só se aprende em Mogi Guaçu, ou você faz isso ou vai tomar n... nitrazepan como a maioria dos clientes.

domingo, 15 de agosto de 2010

Vida fácil




"Vida de médico que é fácil", "olha só marca às 8:00 hrs e chega às 10:00 hrs, faz todo mundo acordar cedo e fica enrolando.". "Filho estuda, porque quando você crescer pode ser doutor, e não ter que trabalhar tanto quanto seus pais."

A Medicina guarda com a Prostituição muitas semelhanças. Diz-se que as duas foram as primeiras profissões, sabe-se que envolvem técnica e arte através de certa teatralidade, em que muitas vezes o cliente gostaria muito de ter uma certa respota do profissional e fica muito irritado se não tem a resposta que imagina seria a adequada (também gere irritação descobrir verbalmente que a resposta obtida, embora fosse a esperada, envolve falsidade).
Ambas tem sido vistas com preconceito por grande parcela da opinião pública, pois tem-se a ideia de "vida fácil", que ganha-se dinheiro sem esforço, e quem olhar de perto ainda pode notar certa inveja.
Porém, existe uma diferença fundamental, que existe na concepção destas duas ocupações, o respeito pela vida, pelo ser humano. Não posso, contudo, generalizar, pois existem protitutas com limites morais, como existem médicos sem. Mas na faculdade, se buscarmos entender os graduandos de medicina veremos que eles buscam acima de tudo o respeito e a valorização da vida.
O que acontece após esta fase de formação é que o interno é soterrado de trabalho. Um rapaz terminando a adolescencia, que geralmente nunca trabalhou é levado a cumprir um esquema de trabalho que chega a 48 hrs continuas (com pausinhas pra soneca, banheiro e bandeijão, claro), com carga horaria ultrapassando 90 horas semanais. É ensinado ao pupilo que ser médico é assim: não tem hora, não tem descanso. Inicialmente tem-se este compromisso atrelado a ideologia o que levou à faculdade, trabalha-se muito porque o trablaho é importante, estamos salvando vidas. Depois passasse a usar o conhecimento acadêmico como justificativa, maior vivência, mais experiência.
Por fim na residência, quando pensa-se que logo virá a folga, inicia-se a fase em que recebe-se pelo trabalho. De repente, aquele plantão que já se fazia sem remuneração passa a ser pago e em um ou dois dias de trabalho fora da faculdade o residente recebe o equivalente à sua bolsa mensal. Como não resistir: "a medicina é assim mesmo; já que trabalho de graça por que não receber".
Quando a residência termina, quem vai seguir o trabalho no consultório logo é cercado por "oportunidades" oferecidas por empresas loucas de vontade de sugar o sangue novo. Nesta altura, acostumado ao trabalho extenuante, perde-se a noção do valor do dinheiro e muitas vezes assumi-se dividas que podem ser pagas por "mais um plantãozinho".
Finalmente, adentrando ao mercado de trabalho, busca-se preencher as 168 horas da semana com umas 200 horas de trabalho: plantões à distancia, em pronto socorro, internações, agendas de cirurgias e consultas lotadas.
É esse profissional que ao chegar ao consultório escuta : "Vida boa, hein. Deixa a gente aqui esperando e fica enrolando para antender, nem precisa do dinheiro".
Gostaria muito que nessa hora, o médico pensasse em quanto esta se aproximando da prostituição (e entendo que as prostitutas não levam a vida nada fácil, na verdade muito difícil e sofrida e que, trabalhando assim por opção ou não, merecem respeito e cuidado de toda sociedade). Refiro à aproximação da forma de ver o ser humano, de entendê-lo, não como um número, mas como pessoa.
Mas, gostaria ainda mais que o paciente ali sentado refletisse em todo o caminho em que são colocados os jovens calouros ao entrar na faculdade e procure entender que se um comportamento tem sido repetido por uma classe profissional, o problema não esta em uma ou outra pessoa, mas na formação generalizada desta ocupação. E por fim, possa concluir que a vida não é fácil para quase ninguém, muito menos para quem se submete a rotina de trabalho mais prolongada que quase todos os profissionais.